Por: Joaquim Filho
Segundo José
Saramago, escritor português, prêmio Nobel de Literatura no de 1998, no seu
livro Ensaio Sobre a Cegueira, o
pensador, no seu romance de mais pura ficção mostra uma “imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo
milênio, a responsabilidade de ter olhos, quando os outros os perderam.”
Assim, está
acontecendo com as nossas vidas, com a nossa casa, com a nossa sociedade e com
tudo que permeia o nosso convívio diário. O vulgar, o fútil e a onda “besteirol” estão tão presentes e
latentes aos nossos olhos, que acabamos cegando para as coisas mais importantes
e interessantes que dão sentido à nossa vida.
A cegueira branca,
que fala José Saramago, em seu livro, é a mesma cegueira que nos impede de ver
o irmão: o irmão pobre, preto, gordo, alcoólatra, opção sexual diferenciada, o
velho, o especial, o drogado e todos que foram excluídos do convívio e da vida
social.
A nossa crônica de
hoje vem falar de uma senhorinha de 90 anos, Severina Bezerra e Silva, nascida
em Bezerros/PE, em 02 de outubro de 1922; atualmente residindo à Avenida Otávio
Passos, nº. 126, Bairro Goiabal, na cidade de Pedreiras/MA, que como muitas
anciãs que tiveram o privilégio de chegar à sua idade, estão impedidas de ser
vista pela cegueira branca, essa, que contaminou o mundo com a falta de visão,
de sentimentos, de amor e da beleza humana.
Além de já conhecê-la
desde a nossa infância, no Bairro Tresidela, tivemos o prazer de ser vizinho de
Severina, por quase um ano e, nesse período, pudemos nos aproximar dessa
senhora que é uma riqueza de inteligência e sabedoria. Certo dia, numa tarde, nós
passávamos a pé, em frente à sua casa e, ela estava sentada numa cadeira,
lendo; e, o que mais me chamou a atenção, fora ver que uma senhora de 90 anos
de idade, lia um livro muito interessante: A verdade de cada um, cuja autora é
Zibia Gasparetto, que segundo ela, tinha sido um presente da querida neta
Caroline Inácio. O livro, A verdade de cada um, “traz esclarecimento e
entretenimento; neste romance esclarece-se que não devemos julgar ninguém pela
aparência, e a justiça cabe as leis de Deus. Não existe olho por olho, dente
por dente. Sofremos o resultado de nossas escolhas, aumentamos os nossos
problemas, desrespeitando o livre arbítrio do nosso próximo, tentando alterar
sua personalidade, os seus obstáculos, a sua vida.”
Que tarde
maravilhosa, que presente Deus nos deu, que poesia, que história nós,
doravante, temos para contar ao mundo depois de ouvir essa mulher, essa
guerreira de mil batalhas, essa fênix da esperança e da sabedoria.
E, assim, ela abriu o
seu coração e narrou, sem que nós lhe fizéssemos uma só pergunta:
“Meu filho, eu cheguei a Pedreiras no dia 25 de novembro
de 1940. Com 11 anos de idade eu já tinha perdido a minha doce mãezinha. Meu
pai se chamava Amaro Bezerra e Silva e, minha mãe, Guilhermina Maria de Jesus.
Tive duas irmãs mulheres e um irmão homem. Meu pai veio primeiro para essas
terras e, vendo que aqui era uma terra abençoada e promissora, resolveu aportar
por aqui, pois, ele era um agricultor, seu ofício era a labuta com a terra, na
roça. Chegando aqui em Pedreiras, meu pai conheceu Manoel Inácio, um homem
extraordinário, que de coronel só tinha a fama, mas o coração era de anjo, que
foi trazido também para Pedreiras no ano de 1936, pelo pernambucano Emídio
Barros. Bom, só sei que cheguei aqui nessas terras trazida pelo meu pai e até
julho de 1945, morei no Santo Antonio dos Oliveiras, depois São Raimundo, Olho
D’água do Tolentino onde fui morar com uma irmã e com meu pai, isso já em 1947.
Lembro-me que em 1948, nosso pai nos levou para cortar arroz para um dono de
terras, num povoado da cidade de Santo Antonio dos Lopes e, disse que eu iria
morar com um senhor, dono de comércio, num lugar chamado Demanda. Meu pai foi
quem me ensinou as primeiras letras, numa época que não tinha escola e nem
professor. Fui para escola com 13 anos de idade, ainda lá em Pernambuco; mas,
infelizmente, eu só fiquei dois anos e seis meses e, estudei até o segundo ano
primário. Mas mesmo assim, com pouco saber, eu trabalhei em vários comércios,
era o melhor emprego daquela época. Além de controlar os fiados anotando num
caderno, eu tinha o nome das pessoas e os fiados tudo na cabeça. Trabalhei no
Armazém do Povo, aqui em Pedreiras, cujo proprietário era o “seu” Zeca Araújo,
que por uma fatalidade caiu de uma burra, quebrou o braço e morreu oito dias
depois. Era sempre assim, quando eu pensava que estava encontrando a minha
felicidade num lugar, acontecia uma fatalidade. Depois disso, fui morar com um
irmão em Independência e, num certo dia, meu pai passou por lá e disse que eu
ia morar em Pedreiras, na casa de um senhor chamado Manoel Inácio. E, assim,
meu pai fez. A gente não tinha muita opção de nada, e, com 27 anos de idade, no
dia 03 de maio de 1949, cheguei à casa que iria morar, no seio de uma família
que me adotaria para o resto da minha vida. Quando cheguei, a Dona Maria,
esposa de Manoel Inácio estava grávida da Rosimar, a primeira filha do casal.
Eu vi todos eles nascerem, cuidei deles como se fossem irmãos e filhos ao mesmo
tempo; amo todos e vou amar até a última geração, até o último dia da minha
vida. Criei Neide, Manuel e Genilson, criei todos, todos...
(momento de emoção, ela chorou, nós choramos...) Todos eles me consideram, eu me sinto feliz agora, tenho uma família.
Eu sempre quis estudar, mas a vida era difícil. A vida me foi tão difícil que
não tive tempo para mim.
Lembro-me que Dona
Severina falou uma coisa muito interessante, foram palavras sintetizadas numa
frase que refletem o reconhecimento e a gratidão, o valor que essas pessoas
deram a ela, que foi a dignidade de ter tido uma família.
“Minha vida era tão desprezada depois que perdi a minha
mãe, que eu só tive consideração depois que fui morar na casa de Manoel
Inácio.”
Essa é a verdade de
Dona Severina.
Si o blog perder a linha e dexar de ser imparcial poderár decidir essa eleição em pedreiras.
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