COLUNA AR-15: INUMANA INJUSTIÇA

Ultimamente me revolta muito receber em meu consultório uma horda de pacientes carentes, doentes, a maioria lavradores, quase todos com patologias osteomusculares graves (problemas da coluna vertebral, artroses, artrites etc) ou cardiovasculares em busca de atestados médicos, pareceres, relatórios e/ou laudos médicos exigidos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social-INSS ou pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - STTR; especialmente esse último. E ainda exigem exames complementares de imagem do tipo tomografias e ressonâncias magnéticas – essa última virou moda (e sendo exame de última geração, caríssimo, deve ser solicitado somente em último caso). 

Ora, isso é um absurdo sem tamanho!!! Fui perito do INSS por quase 10 anos e conheço a profundo a legislação previdenciária e as regras de perícia médica. Nenhum atestado ou exame médico se faz necessário por exigência legal, pois o perito como médico está habilitado pela queixa do paciente a examiná-lo e constatar sua incapacidade temporária ou definitiva ou não para a profissão que exerce. E se precisar de exames complementares ou avaliação de especialistas, o INSS tem uma rede credenciada de profissionais, laboratórios e clínicas de radiologia para os quais o segurado pode ser encaminhado por solicitação do perito e o mesmo realizar tudo gratuitamente, retornando ao perito com o que foi solicitado para a conclusão da decisão da perícia. Não há nenhuma lei ou documento interno do Ministério da Previdência que exija do segurado esses atestados e laudos para marcar suas perícias de auxílio-doença, o famoso “encosto”. 

Outro absurdo é o tal agendamento de perícias para semanas e meses adiante. Meu Deus! Se o segurado está doente agora e não pode trabalhar agora e depende de seu trabalho para seu sustento, como pode ele esperar dois ou três meses para realizar a perícia e esperar a decisão do perito e a liberação do auxílio-doença? É como se doença tivesse data para vir ou se a pessoa marcasse data para adoecer. Absurdo imensurável! STTR’s ou INSS exigir tomografias, ressonâncias é absurdo que até ofende quem pensa o mínimo, pois como exigir de quem está se humilhando para receber apenas um salário mínimo por mês de auxílio-doença para poder comer, exames que custam de oitocentos a mil e quinhentos reais?...? E a exigência de atestados? Isso, sim, é o absurdo maior, pois se o STTR quer apenas o atestado como exigência para agendar a perícia, eu posso dar o atestado afirmando que aquele paciente encontra-se em estado de “higidez”. Eles sabem o que é higidez? Não sabem. Higidez significa que o paciente está saudável, apto ao trabalho, mas como é um atestado, eles vão encaminhá-lo à perícia e um pobre coitado à beira da morte sem atestado fica sem poder marcar a perícia e morre sem receber o benefício que lhe é de direito. Vejam quanta incongruência!!! E será se o pessoal do STTR sabe o que significa espondiloartrose, artrodese, espondilolistese, criptococose, blastomicose sul-americana, insuficiência tricúspide e tantos outros termos técnicos patológicos? Que preparo esse pessoal tem então para exigir atestados e laudos médicos? Estes termos podem parecer feios e representar ou não doença grave. 

O absurdo é tão grande que a lei não obriga ao trabalhador rural ser sindicalizado e estar com suas contribuições sindicais atualizadas para ter direito a pleitear benefícios. Basta provar que é lavrador que independente de ser sindicalizado ou o pagamento “em dias”, ele tem direito a marcar e fazer a perícia. Mas o pobre do lavrador não sabe disso e sai por aí esmolando a um e outro político inescrupuloso ou fazendo empréstimo para colocar seu sindicato “em dias” para pleitear um “encosto”. E segue a multidão de pobres lavradores nas filas de consultórios mendigando aos médicos atestados que os STTR’s exigiram. 

Há tempos que os STTR’s deixaram suas verdadeiras causas e bandeiras de luta para tornarem-se apenas sub-agências informais do INSS ou entrepostos destas para exigir dos pobres segurados aquilo que a lei não exige e os funcionários do INSS têm medo de fazê-lo por ser ilegal e orientam os sindicatos a fazê-lo, distorcendo sua real função de defensor e facilitador dos direitos dos lavradores e tornando-se um dificultador dos direitos de seus representados. Reforma agrária, incentivo agrícola, subsídio técnico ao agricultor e outras causas mais que deveria os STTR’s estar defendendo pelos lavradores não os estão, pois todo o seu tempo é consumido na burocracia de pleitos de benefícios previdenciários; fazendo um serviço que é obrigação do INSS, que por escassez de servidores transfere para os STTR’s. 

Quando fui Presidente da Câmara de Vereadores em Pedreiras oficiei várias vezes ao Presidente do STTR e da agência do INSS locais sobre o problema e eles não davam respostas, até que convoquei uma audiência pública na Câmara sobre o assunto, e na ocasião tudo isso foi colocado em pratos limpos e esclarecido aos trabalhadores rurais e os abusos deixaram de ocorrer. Acho que está na hora de novamente alguém levantar a voz na defesa desses lavradores, pois seus legítimos representantes estão com a visão distorcida de suas reais funções. 

Triste. Muito triste realidade porque a maioria desses lavradores começa a ir para a roça com 08 anos de idade. Aos 40 a coluna vertebral está praticamente estragada e se o pobre se abaixa não consegue levantar e se estar levantado não consegue se abaixar direito... E para comprovar isso basta o perito colocar a mão nas costas dele e mandá-lo fazer alguns movimentos ou no máximo um mero raio-x da coluna. Não precisa de uma ressonância nuclear magnética de mil e quinhentos reais como querem os burocratas do STTR e os tecnocratas do INSS. E a lei ampara a decisão do perito só com esse mero exame físico sem mais sofisticações. 

Eu sou filho e neto de lavradores e quero concluir dizendo que essa classe que coloca comida em todas as mesas brasileiras com seu trabalho e esforço, profissão desgastante e sofrida, merece mais nossa consideração, solidariedade e respeito, no mínimo porque nos garante ter a comida na mesa para a qual ele preparou a terra, plantou, colheu para que todos nós pudéssemos desfrutar dela.

Allan Roberto Costa Silva, médico, ex-Presidente daCâmara Municipal de Pedreiras, membro da Academia Pedreirense de Letras e da Associação de Poetas e Escritores de Pedreiras. E-mails: arcs.rob@hotmail.com ou allanrcs@bol.com.br