“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”
Paulo Freire
No Brasil, desde a década de 60 o sistema escolar brasileiro está atrelado ao modelo econômico dependente, imposto pela política norte-americana e financiada pelo Banco Mundial através dos acordos MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development), através dos quais diversos programas de assistência educacional foram implantados em nosso país. O Estado nas últimas décadas vem sendo reorganizado a partir de um discurso neoliberal, promovendo políticas de minimização da atenção do Estado. Uma das estratégias dos neoliberais é transferir a educação da esfera política para a econômica, passando da condição de direito à condição de propriedade, e de dever do Estado à condição de serviço. Portanto, não é possível discutir a crise econômica sem antes compreender a crise educacional.
Na região Nordeste, os produtores rurais estão enfrentando uma grave crise de endividamento e insolvência econômica, em decorrência da sucessão de fracasso dos projetos de desenvolvimento agrícola e rural que além de não solucionar o problema está afetando a dignidade do produtor rural.
De acordo com o Jornal do Senado do dia 06 de novembro, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) está definindo novas regras para remissão e renegociação de dívidas dos agricultores do Nordeste. O texto eleva de R$ 10 mil para R$ 30 mil reais o valor das dívidas que poderão ser anistiadas e, para os agricultores com dívidas de até R$ 200mil, garante maior desconto para liquidação. O projeto também prorroga o prazo de solicitação dos benefícios encerrados em dezembro de 2012 para dezembro de 2014.
A autora do Projeto de Lei nº 622/2011 que prevê essas novas regras é a senadora baiana Lídice da Mata que, se aprovado e não houver recurso para votação em Plenário, segue para Câmara dos Deputados. O momento é oportuno para questionar se o crédito rural é solução ou ilusão. E da forma que funciona parece mais ilusão. A pseudo-solução permite a reinserção dos médios produtores no mercado de crédito rural, a redução do grande endividamento do setor e intensifica o ato paternalista do governo. “No assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade e domesticação do homem.” (Paulo Freire, 1969:66).
Nos últimos anos o governo vem procedendo com medidas paliativas emergenciais, que sustentam o clientelismo político-eleitoral, aumenta o desperdício dos recursos públicos e coloca o produtor rural em condição de marginalizado. Marginalizado socialmente porque não possue capital econômico e também culturalmente porque é subserviente a mais sofisticada forma de dominação, que é o Paternalismo.
Nesse sentido, Paulo Freire diz que “os opressores falsamente generosos têm necessidade que para que sua generosidade continue tendo oportunidade de realizar-se, carece da permanência da injustiça”.
No município de Pedreiras, produtores mal orientados, que contraíram empréstimos de financiamento rural, não receberam assistência técnica especializada e/ou seguro rural obrigatório, foram prejudicados com a aquisição de desses créditos e estão arcando sozinhos com as conseqüências do fracasso dos projetos. A exemplo disso temos o caso do Sr. Raimundo Tavares de Sousa, vulgo Mundico Carroceiro, membro da Associação dos Trabalhadores Rurais da Sub-área - PA Salvação-Vila Santa Luzia, que em 2006 fez um projeto para criação de caprinos financiado com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento e Agricultura Familiar (PRONAF) e vem travando uma luta desumana e solitária pela garantia dos seus direitos, inicialmente por assistência técnica e empresarial e ultimamente por ter seu nome excluído dos órgãos de proteção ao crédito, pois está sendo impossibilitado de fazer qualquer negociação.
Desde 2007, o caso do Sr. Mundico foi levado ao conhecimento do BNB (Banco do Nordeste do Brasil), ASSEMA (Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão), INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária), Defensoria Pública, setor jurídico da Câmara de Vereadores e recentemente ao Juiz de Direito Dr. Luis Carlos Licar Pereira, até o momento sem sucesso. Existem Conselhos de Desenvolvimento Rural nas três instâncias: nacional, estadual e municipal. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) além de fiscalizar, deve registrar as falhas detectadas nos programas e informar à Prefeitura, Secretaria, Câmara de Vereadores e Ministério de Desenvolvimento Agrário.
Na realidade, os objetivos do Pronaf, é atender de forma diferenciada os mini e pequenos produtores rurais; possibilitar a elevação de sua capacidade produtiva; gerar emprego e renda e contribuir para a redução das desigualdades sociais, entretanto, o programa não atinge o fim social que é o de promover o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar, porque não oferece a assistência técnica que foi prometida aos produtores, com o agravante que existem aqueles que usam de má fé e desviam o recurso público, ou seja, não aplicam na produção e investe em imóveis.
Em suma, o caso do Sr. Mundico somado aos demais casos do mesmo assentamento, que alguns produtores estão sendo obrigados pelas circunstâncias a ir para o garimpo para pagar suas dívidas, agrava a situação sócio-econômico do nosso município e em longo prazo as conseqüências vão se refletir na mesa do consumidor. Conclui-se, portanto, que diante da complexidade do problema que vem se agravando é indispensável uma discussão a nível nacional, estadual e municipal, para que haja mais investimento na educação do homem do campo, visando combater as principais causas dos problemas econômicos cometidos pela falta de conhecimento técnico e empresarial.
Maria do Socorro de Sousa Rios Portela, educadora e empresária – e-mail: msprios@hotmail.com
Excelente texto. Oportuno tema. Parabéns à autora e ao blog por trazer à discussão tão importante assunto. O que podemos constatar é que tanto recurso investido não promove de fato o desenvolvimento que deveria promover e a que se destina, pois a maioria dos projetos fracassam. E não fracassam por culpa do pequeno produtor, mas pela falta do cumprimento de fornecimento de assistência técnica e incrementos por parte das demais instituições envolvidas no contrato, que são o Banco do Nordeste, INCRA, Assema etc. E termina o trabalhador bem intencionado saindo prejudicado, endividado, enquanto que os de má fé aproveitam esses projetos é para comprar motos, carros e casas. Prometem uma coisa ao trabalhador e na hora fazem outra, abandonando-o, e elaboram ainda relatórios fictícios de acompanhamento dos projetos aos Ministérios e Banco Central. Problema grave que merece atenção e debate.
ResponderExcluirAllan Roberto - o primeiro comentário é de minha autoria.
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