COLUNA AR - João do Vale: melhor tarde do que nunca!



Há solenidades e Solenidades, homenagens e Homenagens, shows e Shows. O que ocorreu em Pedreiras no último dia 25 foi algo de magnitude, simbolismo e importância histórica ímpar. O ato oficial comemorativo dos 80 anos de João do Vale precisa ser dissecado em várias vertentes que fogem à percepção da análise superficial ou da reflexão comum.

João é reconhecido não somente no país como também mundialmente como um dos mais expressivos, profundos e belos intérpretes do sentimento popular. Compositor de mais de 400 letras musicais geniais, foi reconhecido pela maior e mais renomada universidade do país, a Universidade de São Paulo-USP, como tal, o que lhe rendeu dela ainda na década de 60 o título de “Poeta do Povo”. Posteriormente recebeu ainda outros epítetos de grande envergadura como o de “Poeta do seu tempo” e “Maranhense do Século” (2001). É ainda portador das maiores comendas nacionais, reconhecido e parceiro dos mais expressivos nomes da música e da poesia contemporâneas, objeto de estudo de vários cientistas sociais e de teses científicas, tema de vários livros, monografias, filmes e documentários.

O evento mobilizou o poder executivo em suas três esferas. O governo do estado vem há mais de uma semana realizando eventos comemorativos alusivos a ele, mobilizando os seus principais segmentos para algo de grande porte tal qual o homenageado. O governo federal através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos emitiu um carimbo e um selo comemorativos dos seus 80 anos. E nosso município também o festeja alegremente com shows temáticos e um concurso de redação. Importante ressaltar que mobilizar os Correios a lançar um selo desse é como se o homenageado conquistasse uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e assim ganhasse uma passagem para a imortalidade de sua memória, ou melhor, é a perpetuação de sua personalidade nos anais históricos oficiais do país. É fazer a nação brasileira, oficial e institucionalmente, reconhecer e curvar-se à grandeza singular da expressão artística e pessoal do homenageado. Que outro pedreirense ou maranhense atingiu tanto? Desconheço. E a história não registra. E temos tantos outros nomes de grande vulto nacional.

Como ninguém até hoje João foi o que melhor retratou a alma do povo maranhense. Tem na simplicidade sua marca, tanto no estilo de vida como nas letras de suas composições. Quem escreve que “a ciência da abelha, da aranha e da minha muita gente desconhece” com tanta beleza, simplicidade e profundidade assim tem o estigma da genialidade. E ele era de fato um gênio! Era tão a frente de seu tempo que viveu alheio à grandeza de sua genialidade e fama, com extrema simplicidade e despojamento. Tanto que muitos se revoltam pelo extremo estoicismo e aparente degradação social de seu último período de vida em Pedreiras e pela falta do reconhecimento de sua grandeza artística ainda em vida. Não. Não é assim. Não houve injustiça com ele em vida. Ele era assim, simples e despojado, averso ao renome e bajulação, alheio ao reconhecimento e status social por vontade própria. Os gênios são assim. Além disso, a história do comportamento humano mostra que “o profeta não faz sucesso em sua própria terra” e “santo de casa não faz milagres”. E analisando a história, todos os grandes homens e gênios da humanidade não foram em sua própria época reconhecidos por seus contemporâneos; pelo contrário, foram maltratados e rotulados de loucos e desprezados em seu tempo pelos seus. A mediocridade não entende a genialidade, portanto a maltrata e desvaloriza. Temos um exemplo histórico disso nos anais da ciência. O maior gênio científico reconhecido na atualidade é Albert Einstein – o maior nome da ciência hoje. E foi retirado à força da escola pela professora e diretora por ter sido julgado “burro” e incapaz de aprender a contento em sala de aula. Que coincidência na história pessoal desses dois gênios! João também foi retirado à força da escola, não por ser julgado incapaz, mas vítima de uma injustiça social, como ele bem retrata nos versos de “Minha história”. E tornou-se um ícone da denúncia das desigualdades sociais e da luta por justiça social nesse país através de suas obras de arte. Então, na verdade não houve injustiça. O processo histórico natural com pessoas da magnitude e porte genial de João do Vale é assim mesmo. Tratá-lo em vida diferente até o faria sentir-se agredido e teria sido uma anomalia, pois na sua simplicidade residia a expressão maior de sua genialidade.

Lembro-me que quando eu cursava medicina no Rio de Janeiro no início dos anos 90, li uma matéria jornalística sobre ele numa revista de grande circulação nacional enquanto eu esperava ser atendido num cabeleireiro. E como bom pedreirense que sou, cioso e saudoso de minhas origens, perdido na cidade grande, decidi que procuraria por João no Rio no bairro que a reportagem dizia que ele estava morando. Tirei um final de semana para procurá-lo e matar a minha curiosidade de conhecer o mais ilustre nome de minha terra natal. Encontrei-o morando sozinho com Dona Domingas, ambos em cadeiras de rodas, numa pobre casa com fogão de lenha no subúrbio de uma cidade da baixada fluminense, de acesso por estrada de terra e muito mato, região de extrema pobreza e marginalidade, que de tão longínqua, era onde eram feitas na época as “desovas” dos corpos das vítimas do crime organizado no Rio de Janeiro. Era 1992 e uma cena em especial me chamou a atenção e retrata esse perfil de personalidade peculiar de João: vi numa simples casa do conjunto popular de Rosa dos Ventos, numa singela, pequena e empoeirada estante de madeira num canto da sala, a mais alta condecoração brasileira e tantas outras comendas e troféus dos mais importantes, jogados, sujos, como se não tivessem nenhum valor.

Os grandes homens são assim, diferentes da maioria, não seguem os ditames sociais, não vivem conforme convenção da grande massa ignara. Eles são espírito e não carne, incompreendidos e intolerados, combatidos e injustiçados, esquecidos para só depois relembrados, reconhecidos e homenageados. E com João foi assim. Quando o conheci no Rio e depois aqui convivi com ele, senti que ele viveu e vivia como gostava e queria, recusava ostentações, se contentava com o pouco e era feliz. E o importante é isso: ele viveu como bem gostava e como lhe fazia ser feliz. E por isso foi tão brilhante, pois um infeliz não brilha tanto.

A solenidade no prédio do antigo Palácio Municipal, hoje sede do Centro Cultural João do Vale, sede simbólica máxima do poder e da história de nossa terra, para o lançamento do carimbo e selos comemorativos, com representantes das três esferas dos poderes constituídos da nação e outras lideranças e setores sociais importantes representados, bela e expressiva, complementada pelos shows da orquestra filarmônica do Ceará (Estrela da Serra), Coral São Benedito e “da golada para o Brasil”, que coroaram a noite com animação e brilho, tudo louvando e elevando a grandeza artística do grande João, fizeram da data de 25/10/2013 um dos dias histórica e simbolicamente mais importante de nossa história municipal.

E que o exemplo dele nos motive a continuar lutando por justiça social em nosso país para que os milhares de “manés, pedros e romãos” de nossa terra possam alcançar a dignidade humana que todo cidadão tem direito. E viva nosso João!!!

Allan Roberto Costa Silva, médico, ex-presidente da Câmara Municipal de Pedreiras, membro da AcademiaPedreirense de Letras e da Associação dos Poetas e Escritores de Pedreiras-APOESP. E-mails:allanrcs@bol.com.br e arcs.rob@hotmail.com

2 comentários:

  1. Que bom que o doutor Allan voltou. Ganha a cidade com a grande pessoa humana e profissional estraordinário que ele é e ganha esse blog com suas pérolas de inteligência e capacidade como ninguém pra escrever e expressar o sentimento do povo, Ele é bom demais em tudo. E que Deus o proteja do mal e lhe abençoe sempre porque essa cidade precisa muito dele. Glória a Deus por sua vitória e retorno, Aleluia.

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  2. Brilhante, perfeito e genial. Só podia mesmo vir de quem veio. Allan abrilhanta nossa terra com inteligência, sagacidade e coragem e muitas outras qualidades reunidas numa única figura humana, política, pessoal e profissionalmente falando, da qual Pedreiras muito precisa.

    Faltava mostrar sobre João do Vale esse outro lado da interpretação de sua vida e arte de que ele foi de fato sim reconhecido ainda em vida com muitas homenagens, condecorações, prêmios e troféus. Daí a ele não ter sido bem sucedido financeiramente dependeu mais do seu estilo de vida e valores do que do reconhecimento propriamente dito como artista.

    E só alguém com a análise apurada como o Allan para sacar e mostrar isso a todos e tirar essa imagem falsa de que João foi injustiçado e se aproveitam dele hoje.

    Panabéns, DOUTOR, no mais expressivo e amplo do que esse título pode representar!!!

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Pedras Verdes, Pedreiras, MA, Brasil.