Eu preferi ficar!


Eu preferi ficar, pois sei que aqui encontro mangueiras na estrada onde posso descansar à sombra e me alimentar na estação certa. Aqui sei o que posso encontrar logo ali por trás daquela serra. Não caminharei em outras estradas mesmo com o vento a favor, aqui ainda encontro porteiras generosas que se abrem ao mínimo clamor. 

Prefiro ficar mesmo com esse calor que anuncia outubro, mesmo com esse vento quente a trazer os restos mortais das folhas da vegetação que se doou em favor de uma nova colheita, mesmo convivendo com a ignorância pela falta de conhecimento, ou mesmo por uma cultura deturpada em nome da subsistência.

Fiquei, pois a visão da queimada é amenizada por um copo d’água, um cafezinho, um bom dia, boa tarde ou boa noite, que são acolhedores em cada terreiro, aqui as cadeias são menores e pelas janelas abertas a noite ainda entra a brisa, as grávidas sentem o cheiro do cozido da vizinha, desejam e é fiel a acolhida.

Fico. Entre trancos e barrancos e sem infra-estrutura, mesmo ainda estudando na taipa e no chão de terra batido, mesmo à luz de lamparinas, atolado na estrada de chão e tendo pela metade a promessa cumprida como quem constrói com tijolos e tem barro como argamassa.

Mantenho-me na esperança de resgatar alguns da massa. Prefiro ficar mesmo quando as chuvas de dezembro anunciam uma nova enxurrada a engolir as vazantes férteis do Mearim, expulsando os ribeirinhos e até mesmos ilhando cidades. Aqui permaneço e depois das tempestades tenho a linda visão das vegetações e pastagens sarando as feridas deixadas pelo fogo, formando as ondas verdejantes deste mar de morros que se fez Microrregião do Médio Mearim.

Quero pra sempre sentir a essência de minha terra molhada e o orvalho do mato a molhar os pés e pernas nas trilhas em busca do recôndito das quebradeiras de coco, ouvindo os sons dos machados clamando por mais um real no litro da preciosa amêndoa e ter a visão da Palmeira Mãe doando seus frutos, folhas, caule e sombras aos filhos da vida que nasceram em berço de palhas nesta região.

Às vezes doem certas visões, mas eu fico! Como testemunha... Contra a História! Pois foi miserável a sentença que esta lhe concedeu: de rica se fez pobre, mas sem brincadeira de roda. Deitou-se na cama que fizeram, quisera deitados em nossas camas, de lençóis de puro algodão colhido logo ali, turistas a conhecer o oásis onde canta o sabiá! Quisera ter recursos na terra onde a fertilidade é inata e o dom do povo é semear.

Gostaria de não vê-la ter-se feito refém dos que outrora buscavam conhecimento além mar e hoje dos que nas capitais se enchem de “sabitudes” e aqui voltam à terra mãe para recrutar os filhos que esta se pôs a amamentar. Desejaria não ter a visão de meu povo sendo seduzido por pão e circo, assim como vendendo por um punhado de graça, que na verdade é corrupção, sua coragem de lutar. Que gastassem mais um pouco de suas costas e de seus pés e mãos na labuta diária de quem não tem a certeza se não faltará pão e a fim de não perderem a dignidade em troca de propina.

Mas às vezes como agora, penso que é pedir demais! Em nome de uma situação que não sabemos quando virá e quem trará. Aqui ficarei... por entre os morros e às margens do Mearim. Desta terra sou cria, serei denúncia, voz que não silencia! Sem parcerias nem coligações, sou consciência e sentimento por essa minha parte da Maranhão.


Cálida Pessoa

6 comentários:

  1. Viva nossa terra, lindo Maranhão!

    Que as palmeiras resistam ao vente e ao fogo. Que nosso povo saia do torrão e consiga resistir à corrupção.

    Quando o texto, assim, tão perfeito é: gosto mesmo é de contemplá-lo.

    Parabéns Cálida, entre poesias e poemas, eis que extraímos sua grande essência. O óleo que faz o perfume e, nos enche e faz exalar o mais puro cheiro da esperança.

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  2. A Crônica é bela e cheia de riqueza, dando um banho em muita gente que se veste de crônista.
    Um abraço na pessoa

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  3. quem sabe, sabe e conhece bem, para não andar dizendo que o lindo é belo.

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  4. "O lindo é belo" !!!!!!!!!!!! ???????????????????
    Será do que esse anônimo idiota está se referindo?

    Dalluz Guedys
    Acadêmico de Direito CEUMA/SLZ

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  5. muito belo ...mais quem e Cálida Pessoa ????

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  6. Achei isso no seu perfil no face...

    Sou, apenas sou, permaneço...
    Sob as intempéries da vida
    banho em chuvas de tristezas,
    nado em rios de felicidade,
    ando nas trilhas da superação
    e danço ao som da leve brisa da satisfação
    quando em mais uma missão cumprida...

    Apesar de esporadicamente
    preferir vagar pelo limbo à procura
    da solidão que me faz encontrar
    com partes de mim mesma...

    Cálida

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Pedras Verdes, Pedreiras, MA, Brasil.