ALDO GOMES: FLERTES DE PAZ

*Aldo Gomes
Bateu!... Não é assim que se diz no popular, quando algo de bom e incomum nos ocorre, deixando forte sensação de conforto e conquista?! Pois foi este o sentimento que me invadiu na passagem de tarde para noite deste sábado, 13 de junho de 2015. Fiquei parado minutos afora, solto no espaço, no aguardo da completude do evento e aproveitando-o quanto pude, por sabê-lo raro e excelente ingrediente das emoções auxiliadoras do bem estar motivacional.

Apraz-me, aqui, dizer que não foi fácil ordenar as ideias e a própria compreensão do momento, tendo em conta que coisas, movimentos e manifestações normalmente imperceptíveis ao redor ou nas proximidades me insultavam a priorizá-las. Foi como se estivesse diante de uma difícil e delicada escolha, no limite entre qual opção seria melhor, tendo de decidir por uma só, muito provável fosse até em razão da pequena capacidade do meu coração para suportar emoção dupla, batendo ao mesmo tempo e em tempo, como sinto que fosse eu um leitor aleatório, proposital ou fiel a desbravar o presente texto, já estaria a ponto de abandoná-lo pela impaciência em razão da demora do pleno relato de sua causa, adianto, ainda que pareça atrasado, que foram dois instantes arrebatadores que tive de abraçar: um, o sentimento ímpar nascido das transbordantes leveza e paz ao segurar no colo minha graciosa netinha Lara, de pouco mais de dois meses e conversar com ela e ser entendido, na linguagem própria, que pais e avós bem conhecem, coroando de conforto momento único, intransferível e fortalecedor do espírito. Sugere-se daí que a vida nos prepara surpreendentes e encantadores flertes de paz e mesmo vivências pontuais, porém interligadas e simultâneas de tamanha delicadeza, que no labor do livramento das lanças e espinhos como vícios humanos inarredáveis que se voltam contra nós em dias insalubres, bonanças e prazeres do espírito se nos dão e salvam a nossa hora, o nosso dia.

O outro fato a revelar, que fez par com o primeiro e me levou a tratá-los como um só em razão de que a mensagem central é a criança, o adolescente, as mães, o ser humano e aperfeiçoando a sequência o humanismo, o sacerdócio, desejo mencionar o trabalho vocacionado, especialmente diferenciado de uma organização humanitária internacional hoje presente em cerca de setenta países, denominada “Médicos Sem Fronteiras”, programa de vulto mundial em que os profissionais da área se entregam irrestrita e incondicionalmente à missão de servir ao semelhante, sem interesses outros, que não seja o de ajudar, oferecer um ombro amigo, promover a dignidade, sem falar agora da cidadania, lembrando que esta, ali, mais especificamente nos recônditos da maioria dos países africanos ainda representa um bem intangível, proibido, luxuoso, ali onde a vida alcança o cume da degradação moral e social e passa a terrível impressão de insignificância e de que a agonia daqueles desvalidos a ninguém causa compaixão e, ao contrário, pode ser até um colírio aos olhos de todo o mundo.

Oportuno se me faz, mediante a laboriosa, mas edificante leitura que ora realizamos, exercitar prerrogativa inerente à minha índole, contudo sem o menor intento de julgar quem quer que seja por não me competir fazê-lo e nem ao menos avaliar atuação de alguém, por não se tratar de tal propósito neste momento. Responsabilidade e isenção aqui invoco na configuração dessa espécie de metáfora que se segue: nos anos oitenta, em São Luís, a nossa capital, uma estudante que fazia parte do meu espectro de amizades, um tanto constrangida, ao sair da aula inaugural daquele curso superior que é o principal da área a que estamos nos referindo, enfatizou a concisa afirmação de um professor palestrante, pela qual seria de bom alvitre àqueles calouros que a partir do momento daquela aula fizessem um autoexame de consciência e procurassem firmar consigo mesmos propósito e compromisso de serem futuros profissionais vocacionados e continuamente empenhados no exercício da profissão segundo a especificidade da nobre missão para a qual se sentiram chamados, talvez não literalmente nos moldes do aqui citado “Médicos Sem Fronteiras” em sua forma plena _ este é um grifo a que me dei o direito­ _ e não se formassem com o foco irremediavelmente inspirado no estilo populista, visando a conquista de cargos eletivos da política partidária, não significando que não teriam tal direito, pois este, da candidatura a cargos públicos eletivos a todos assiste, sem exceção, nem se firmassem primordialmente nos interesses pelo dinheiro, mirando rendimentos cada vez mais altos como valores morais e sociais fundamentais na sua vida, porquanto, naquela época, tal fato já acontecia progressivamente. A estudante, no seu relato, mostrava indignação com aquela realidade revelada em tom de reprovação, obviamente, pelo seu professor, que indicava desejo de estabelecer com prontidão saudável relacionamento entre alunos e mestres. 

Nas experiências hoje vividas tento exprimir pelo menos parte do que senti, mesmo sem ter falado sobre algo mais que pressinto possa ter se esvaído e como se a essência do assunto me escapasse aos poucos, religuei o computador e ouvi pela enésima vez a música “Hold on”, em português “Mantenha-se firme”, canção lindíssima, levitante, avassaladora no sentido do bem estar que produz. Engasgo emotivo é inevitável e faz parte, neste belo dia, de grandes momentos de emoção e profunda reflexão que me satisfazem a alma e, para completar, a música e sua encenação como parte da campanha aquisitiva do apoio de todos os que se sentissem alcançados, expondo a situação daquele povo sofrido fazia-se ressoar na televisão, como se cada vez fosse a primeira, sem direito a reprise, parecendo me advertir que eu deveria curtir e entender a profundidade da linda melodia, pois não haveria uma segunda chance, coincidindo com a impressão que eu tivera. 

Um relance de introspecção que me testou os nervos foi quanto aos bebês, crianças, mães e profissionais que protagonizam o fato e encenam a música, contendo instantes limítrofes entre os extremos descrença e crença; angústia e paz; solidão e solidariedade; dor e amor. A tênue visão de um longínquo _ apesar de presente _ raio de luz na vida daquelas crianças, vítimas da fome, das doenças e do ódio dos semelhantes já representava uma esperança, fortalecida por aqueles abnegados anjos enviados por Deus, para amenizar a situação de desprezo e sofrimento daquela gente marginalizada. Algumas crianças, mesmo debilitadas e marcadas pelas tragédias ao longo dos dias, esboçavam um leve sorriso diante dos que as assistiam, falando com o olhar, dando conta de que perguntavam: você existe mesmo ou estou sonhando? Você veio me ajudar?... Obrigado, agora acredito em anjos!

Acabo de respirar fundo e fazer flexões nos dedos para continuar digitando sem paralizações que me façam perder o fio da meada e então, aqui sozinho, sorri levemente, mas de mim mesmo, pela mistura de exercício físico nos dedos e mental, no cérebro, obviamente, na ânsia da elaboração harmoniosa do texto. Em ocasião como esta, em que se entrelaçam tristezas e angústias, pela natureza dos fatos descritos, com as delícias de flertes com a paz e o bom estado d’álma em razão de outras passagens da mesma história, deixando aqui e acolá dúvidas sobre o que predominaria, se alegria ou constrangimento, se desconforto ou bonança, enfim, me ocorre agora fazer um paralelo entre duas figuras parte da presente conjuntura: minha neta e aquelas crianças. Como falar sobre isso de forma a agradar minhas próprias conceituações e discernimentos? São crianças em circunstâncias opostas, extremas, não propriamente do ponto de vista do conforto material, mas afetivo, inerente ao aconchego familiar; são seres inocentes com destinos até o momento divergentes, porém tanto um quanto o outro inspira amor, carinho e cuidados, segundo cada realidade; de alguma forma são as daqui, que representei na abençoada figurinha da minha neta e as de lá, as crianças africanas que compõem o quadro de miséria e abandono, irmãs e não só semelhantes e co-participantes em potencial de situações felizes ou adversas, mas pequenos seres humanos afáveis, que nos passam ares de afeto, paz e despertam sentimentos de benevolência, candura e fraternidade. 

Por uma razão que só o Criador conhece, aqui somos agraciados pela bem aventurança, que nos permite o trabalho, a moradia, o pão de cada dia, as oportunidades de exercermos a cidadania e as condições adequadas a que tenhamos uma vida digna. Até mesmo, no caso dos abastados, na nossa realidade é possível a uma parcela da sociedade ter bens e recursos com sobras e excentricidades, enquanto ali, no retrato do centro desta narração, aparecem os desvalidos, os renegados pelo destino, ignorados pelos que no resto do mundo têm o privilégio de viver bem. Então nós e eles nos assemelhamos na razão inversa da vida, na desproporção dos méritos e no antagonismo da sorte, tendo como ironia e pano de fundo o fato de sermos gente, nós e eles, e criaturas divinas, levando à sensação de que uma e outra situação é fruto do acaso. Somos acaso venturosos e eles desventurados; a diferença é geográfica, sociopolítica, religiosa, cultural, étnica, mas tudo isso fica pequeno ou se desfaz, quando lembramos que somos oriundos da mesma matéria-prima, o barro com que o Senhor nos fez e todos, aqui e lá e de todos os lugares voltarão ao mesmo barro. A contingência em que me senti envolvido, a criação e o surgimento momentâneo deste quadro de profunda mensagem, que tento passar adiante para dividir emoções e pesares e transferir prazeres d’alma não seria captado nem aqui gravado, não fosse minha teimosia em registrar esses flashes para deles me alimentar, julgando encontrar as palavras e termos cabíveis, ousando, arriscando, sem o temor de cometer desvios de intenção de comunicação, por uma presumível incapacidade linguística. Pelo contrário, partir para a difícil tarefa de dizer o que alma e coração reclamam me dá prazer, exatamente pelo desafio que isso representa e, na possível ingenuidade do meu intelecto, cuido estar me permitindo, e a outros, um prazer sem par, na perfeita convergência das formas de ver e sentir.

Tenho comigo hábito quiçá inusitado de não resistir à tentativa das descrições, não pura e simplesmente, das coisas e acontecimentos corriqueiros, eventuais, aparentemente sem qualquer significado, mas o faço por necessidade de assim me conduzir, por lazer personificado e pela intrigante sensação de que se fugir ao desafio fortuito posto na fração de tempo desproposital, nunca mais conseguirei enfrentar uma outra porfia entre mim e meus medos, e uma parte de meus pretensos poderes de feed back terão se perdido em definitivo. Algo assim, com sabor de fracasso, não saberia este intrépido aventureiro das letras como encarar, sem considerar perda grave e irremediável! 

O presente do acaso de hoje, este encontro com duas emoções de tanta beleza, serviu para me auto retratar como alguém que jamais deixaria de ter com que se aventurar e se entreter, de maneira gratificante, feliz, ainda que seja por um prisma raro, difícil, que é o de ver, sentir, captar, fotografar com olhos, coração e mente e esmiuçar, para ver onde posso chegar e, sobretudo pela grafia, que é a parte mais desafiadora, de sorte que aqueles, este e outros relampejos de compreensão e dessecação de coisas, tendo a aplicação venturosa das letras para transmiti-los torna-se, para mim, uma feliz caminhada, um prazer em que o horizonte está sempre longe, mas visto como se estivesse perto, propiciando uma busca sem fim, porém instigadora e confortável. 

*Engº agrônomo, secretário de agricultura pecuária e pesca de Pedreiras
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