Lição do acaso

*Aldo Gomes

Se houver uma explicação eu penso nisso depois. Agora eu quero aproveitar essa onda vistosamente fácil e fértil de inspiração que me veio de repente, sem qualquer sinalização. Aliás, este é o xis da questão, pois não foi tanto assim, sem mais nem menos, além do fato ter me levado a escrever quase instantaneamente, quando não tinha a mínima pretensão e sem arredar um milímetro aproveitei esse espaço reservado ao almoço, ao ver que não dava pra resistir. 

E, pasmem, o fato gerador é este: _ da minha mesa de expediente burocrático até o pequeno cesto de lixo são cerca de três metros de distância. Por duas vezes consecutivas, em um gesto frequente e automático de trabalho de escritório, por motivo de comodidade arremessei um papel amassado de rascunho em forma esférica e, para desestressar dos rigores momentâneos das formalidades inevitáveis do ofício, pensei em exercitar, ali, sem que ninguém percebesse, um pouco de “bola ao cesto”. Afinal, quando alguém adentrasse ao recinto eu já teria satisfeito a intuição e estaria me sentindo melhor. No paralelo instintivo eu achava que aquilo iria me proporcionar algo de confortante, que me faltava na ocasião, naqueles breves minutos. Não sei se isso ocorre com vós outros, mas às vezes sou instado de forma irresistível a relacionar fatos vagos, comuns ou fenômenos a similaridades da vida real. Coisas simples como esta, da bola ao cesto, aparentemente sem significado nem conteúdo perceptível, porém indicativa de que pode oferecer algo que faça sentido, uma ideia com alguma mensagem ou sugestão que valha a pena.

Mas voltando ao momento da consideração do cesto de coleta de lixo, pois foi ali que me surgiram relampejos de conjecturas e insinuações, foram duas tentativas de acertar a bolinha de papel no pequeno aro. Na primeira não acertei, levantei-me bruscamente da cadeira, como se tivesse cometido uma falha inconcebível e, mesmo não tendo quem observasse, juntei o objeto, decidi que deveria acertar, pois o caso passara a ser uma importante questão de satisfação pessoal e o lancei resignado e desta vez o alvo foi atingido.

Se o nobre leitor ou leitora deste, digamos, “elastecimento de imaginação” conseguiu chegar até aqui sem achar que está desperdiçando o seu precioso tempo, continue um pouco mais, a fim de que algo de interessante possa acontecer, ser assimilado e o prejuízo seja menor ou não exista ou até em uma preposição mais otimista, haja um resultado agradável e somatório, na participação neste pleito comum. Como disse, as empreitadas objetivando inicialmente marcar pontos foram realizadas de duas vezes e o mesmo rito finalmente ocorreu nas duas. Daí então é que pude sair do simples ato de entretenimento e irremediavelmente partir para uma possível extração de lição útil em sua forma abstrata, porém didática para encaminhamentos da vida real, no cotidiano comum, após ter uma experiência de fracasso inicial seguido de perseverança e determinação, que levaram à correspondência das expectativas e desejo de conquistas. Assim, algumas premissas foram internalizadas, como: - ter um foco, um objetivo; - ter consciência da importância de alcançar o tal objetivo; - ter uma firme crença sobre a motivação que essa conquista pode proporcionar quando da busca de futuros projetos, assim como a que situação desejável estes nos levarão e, por último, a satisfação do resultado do esforço físico e mental empreendidos, deixando sensação prazerosa de que em outras jornadas continuaremos bem, no fito de alcançar o alvo.

Felizmente, então, neste ínterim, podemos concluir com certa relevância de propósito, que um fato, banal até, um ato espontâneo e quase mecânico, dependendo do nosso estado de espírito e grau de sensibilidade para as ocorrências próximas ou distantes, diretas ou indiretas, que protagonizemos ou das quais sejamos meros expectadores, pode nos fornecer munição para auxiliar a luta pela sobrevivência ou em hipótese mais ruidosa, para nos orientar na consecução dos meios adequados no sentido de melhorarmos o processo de buscas por uma vida mais digna, considerando os interesses e necessidades alheias, alimentando os bons valores, de maneira a contribuir para um padrão de existência pacífica e respeitosa entre os indivíduos, alvíssaras que ficam marcadas no frutífero tratamento da ocorrência de momento, desdobradas as suas vertentes mais positivas e animadoras.

Agora, veja só, tudo isso originado de um mero gesto de publicação facultativa, que não fora o ímpeto aparecido de extensão e dessecação instantânea, ficaria apenas como literalmente teria de ficar: um simples arremesso de papel usado no cesto de coleta de lixo.

Depreende-se daí, ademais, que no geral há uma propensão no ser humano para agarrar-se a qualquer coisa que possa significar algo, de forma salutar, de fácil formatação, moldagem e definição de contornos consequentes e, o melhor, o grau de expectativas quanto ao compartilhamento e correspondência, como se estivéssemos dividindo com alguém uma benesse que pode lhe ajudar a abrir caminhos e até a avançar mais que eu próprio, ainda que tenha sido o estimulador do “de onde partir”. Dá prazer, ao invés de impressão de incapacidade, pensar que posso ser capaz, e você também, de traçar um ponto de partida, mas não seria capaz de dar sequência, ao passo que um outro indivíduo não saberia começar por aí, no entanto saberia continuar a partir dali. Tudo isto são conjecturas, mas creio na sua lógica e espero que creiamos. Hoje, enfim, no deleitar dos meus botões, no vagar dos meus “achismos”, penso ter sido feliz nos flertes com as divagações, e, muito mais, penso ter achado ressonância em algum ponto perdido das assimilações do intelecto alheio. 

Quem sabe, talvez, tenha alcançado mais que isso. Todas as possibilidades são factíveis em uma viagem dessa natureza. Quem emite parecer, opiniões, gera reflexões, empurra a mente para o raciocínio, estabelece comunicação, suscita auscultações, pode ser entendido ou não, agradar ou não, até causar inquietações e senso injusto de percepções, mas é melhor falar, opinar, emitir parecer, manifestar-se, que abster-se deste prazer por medo do efeito à frente. Assim, a julgar pelas formas plurais que tais abstrações podem alcançar, pelo risco de sermos refutados, mas, e, felizmente, a chance de sermos entendidos e aceitos no propósito encaminhado nos deixa uma aura de bem estar, de bonança e otimismo na trilha desses caminhos, que podem se apresentar mais férteis e promissores que belas estradas, que podem ser atrativas, mas vazias e frias em suas extensões ilimitadas. Por isso vale a pena empreender.

*Engº agrônomo, secretário de agricultura pecuária e pesca de Pedreiras
Pedreiras, jan/2015    

3 comentários:

  1. Sem dúvida, é um texto que merece uma leitura atenta e sensível para que a compreensão seja alcançada. Parabéns ao autor! De fato, se pararmos para analisar o que fazemos por mais simples que seja pode nos ensinar lições para vida ou nos fazer refletir sobre ela, por isso o texto é inteligente.

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  2. A sua linguagem (do autor) preza pelas metaforas linguisticas q deveriam ser comentadas em discurssoes de faculdade de comunicacao social pois representa uma certa conivencia entre o culto e o coloquial que fazem parte sempre de seus belos textos que sao pra refinados e rebuscados entendedores parabens seu Aldo e seria grato ver publicado um livro de coletaneas de seus escritos.

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  3. mais um que merece estar na academia de letras de pedreiras assim como o Carlinhos do blog

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Pedras Verdes, Pedreiras, MA, Brasil.